Artigo: Data Economy: A Discussion on Value, Fictitious Valorization, and National Sovereignty
Os pesquisadores César Bolaño e Fabrício Zanghelini acabam de publicar uma nova contribuição no periódico internacional Big Data & Society, um dos principais journals dedicados às implicações sociais, políticas e econômicas do Big Data.


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Neste artigo, delineamos elementos-chave para uma crítica à chamada economia de dados, frequentemente apresentada como uma nova fase do capitalismo que romperia com o modelo de acumulação flexível e o regime de regulação dominado pelas finanças.
Esse fenômeno deriva da Terceira Revolução Industrial, que expandiu a capacidade de coletar, armazenar e processar quantidades massivas de dados através de sistemas digitais. Nossa análise foca em sua dimensão econômica, embora se deva recordar que a extração de dados serve, em última instância, a propósitos de vigilância e controle social por parte dos agentes econômicos dominantes. Neste sentido, big data essencialmente significa controle.
Os dados podem ser integrados em processos produtivos concretos. Em indústrias avançadas, dados em tempo real aprimoram a coordenação e o monitoramento, como em sistemas de produção automotiva. Plataformas como a Uber utilizam sua arquitetura digital orientada por dados para exercer controle externo sobre o trabalho, materialmente subsumindo-o ao capital e apropriando-se parasiticamente de parte da renda dos motoristas sem estabelecer uma relação salarial — uma forma regressiva de acumulação. Os dados também são empregados na produção da audiência-mercadoria nas indústrias culturais, tornando-as cada vez mais segmentadas. Da mesma forma, o trabalho informacional pode transformar dados em informação-mercadoria, que pode servir, por exemplo, ao setor imobiliário e da construção, guiando a especulação e o planejamento de novos empreendimentos.
Contra visões fetichistas que atribuem valor intrínseco às coisas, argumentamos que os dados não são mercadorias a priori, mas matéria-prima bruta desprovida de valor intrínseco. As infraestruturas digitais operam, num momento inicial, para capturar e desvincular os dados de sua conexão com os indivíduos. Na visão de Marx, todas as coisas que o trabalho apenas separa de sua conexão imediata com seu ambiente natural se tornam objetos de trabalho, fornecidos pela natureza; somente através da ação transformadora do trabalho é que se tornam matérias-primas dotadas de valor. O mesmo raciocínio se aplica aos dados: a mera separação e o armazenamento não estruturado de dados dispersos não os tornam matérias-primas — nem mercadorias — dotadas de valor.
Para além dos seus usos concretos na produção, levantamos a hipótese de que os dados podem representar uma forma inovadora de capital fictício, nos termos de Marx, cuja valorização se baseia na promessa de receitas futuras. Assim, quando extraídos e comercializados por corporações que controlam grandes repositórios, conjuntos de dados brutos — embora sem valor — podem operar como capital sem serem capital a priori, alimentando a especulação e a valorização fictícia.
Finalmente, notamos a erosão do monopólio do estado nacional sobre a produção e organização da informação oficial, agora transferida para agentes externos, ameaçando assim a soberania nacional. O caso das estatísticas oficiais é emblemático, mas é apenas parte de uma questão mais ampla: as redes e plataformas digitais tornaram-se centrais para o modo atual de regulação capitalista, aprofundando assimetrias centro-periferia e estendendo a forma-mercadoria às esferas mais íntimas da vida social.
Assim como a sociedade outrora resistiu ao patenteamento de genes, deve agora confrontar a exploração privada de dados e o crescente poder das plataformas digitais. Contudo, a gestão pública de dados é legítima apenas na medida em que garante a confidencialidade estatística, o acesso anonimizado e o uso da informação para o bem-estar coletivo.
